O surgimento dos motoclubes
- Nino Albano
- 14 de abr. de 2020
- 11 min de leitura
A informação não é reconhecida pela AMA-US (American Motorcyclist Association), mas provavelmente o “Cook Outlaws M.C” foi o primeiro moto clube americano. Ele surgiu em 1936, após a “grande Depressão”. Eram radicados em Cook, Illinois e estendiam seu território até Chicago. O grupo mudou seu nome para Chicago Outlaws MC e hoje é conhecido como Outlaws MC. Cabe aqui lembrar que a sigla MC, se refere a “Motorcycle Club”.
Naquela época não haviam brasões ou cores para os moto clubes, tanto que os Outlaws usavam apenas o nome do grupo nas costas do colete. Para criar seu brasão, usaram como inspiração o filme “O Selvagem (The Wild One)”, estrelado por Marlon Brando em 1954, assim nasceu a imagem do Crânio, apelidado de “Charlie”, centrados sobre dois pistões e bielas cruzadas, como a bandeira de um navio pirata.

Os Outlaws MC, reivindicaram a patente MC de mais antigo, porém, por terem feito duas modificações não documentadas, em seu nome, não conseguiram provar que eram realmente o mesmo moto clube, e por isso, a AMA, certifica como primeiro moto clube, um grupo formado exclusivamente por mulheres. Trata-se do “Motormaids MC”, fundado em 1940. Elas antecederam até mesmo os Hells Angels MC, que tiveram origem em 1947.
O TUMULTO EM HOLLISTER

O tumulto ocorreu durante um encontro organizado pela AMA - American Motorcyclist Association, na cidade de Hollister, Califórnia, entre 3 e 6 de julho de 1947. O evento ocorria anualmente, mas especialmente nesse ano, a cidade recebeu um número de motociclista muito superior ao que sua infraestrutura permitia, e todos eles tinham como objetivo socializar com outros motociclistas, o que significava, beber. Esse seria o estopim para um fato que mudaria a história do motociclismo.
Tudo poderia ter sido apenas um final de semana confuso, porém, a imprensa sensacionalista, decidiu afirmar que motociclistas, haviam “tomando sobre a cidade" e criado um "pandemônio" em Hollister. A dramatização mais forte do evento foi uma foto, considerada por muitos como encenada, de um homem bêbado sentado em uma motocicleta e cercado por garrafas de cerveja, publicada na revista Life. Fotos e afirmações irreais sobre o evento, chamou a atenção nacional, que se convenceu que aquilo seria verdade, trazendo uma impressão negativa sobre os motociclistas, que passaram a serem vistos como “foras da lei”.
OS MOTOCICLISTAS PÓS SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Após a Segunda Guerra Mundial, inúmeros veteranos que voltaram para a América, tiveram dificuldade para se reajustar à vida civil. Tudo era muito monótono para a sensação de excitação e perigo com a qual haviam se acostumado, por isso passaram a procurar atividades que lhes trouxessem a mesma adrenalina que tinham quando estavam em campo de batalha. Ao mesmo tempo queriam ter novamente os laços de confiança e a camaradagem que existiam entre os homens do exército americano.

Eles também queriam combater as terríveis memórias de guerra que os assombravam e os fizeram desenvolver o tão falado “transtorno de estresse pós-traumático”. Uma das formas que encontraram, foi a associação aos moto clubes, que traziam um substituto para experiências de guerra, no que dizia respeito à aventura, confiança, emoção, perigo e camaradagem. Isso fez com que a popularidade do motociclismo crescesse dramaticamente após a Segunda Guerra Mundial.
A PEQUENA CIDADE DE HOLLISTE - CA
Ao longo da década de 1930, a cidade de Hollister, na Califórnia sediou duranteas comemorações de 4 de julho (independência dos Estados Unidos da América)um evento anual chamdo de “Gypsy Tour Event”, o que em tradução livre para português, seria algo como “Encontro Cigano”. Era um evento de corrida, organizado anualmente pela AMA, que se popularizou por todo país, sendo considerado como “o melhor encontro de motociclistas da América”. Consistia basicamente em corridas de moto, atividades sociais e muita festa.

Em Hollister, o evento e os motociclistas foram sempre, muito bem-vindos, especialmente porque tratava-se de uma cidade muito pequena, com apenas cerca de 4.500 moradores, e o evento representava uma parte importante da
economia da cidade. Durante a Segunda Guerra Mundial, o rali foi cancelado, 1947 marcava o seu renascimento.
A festa começou no dia 03 de julho de 1947, e como mencionado anteriormente, era um ano de grande crescimento na popularidade das motocicletas, e foi justamente este fato que causou um dos seus principais problemas. A presença de cerca de 4.000 motociclistas quase dobrou a população da pequena cidade.
Eles vieram de toda a Califórnia e de outras partes dos Estados Unidos, inclusive de lugares distantes como Connecticut (4886 km) e Flórida (4.547 km). Grupos como Pissed Off Bastards of Bloomington, the Boozefighters, the Market Street Commanders e Galloping Goose Motorcycle Club, estavam presentes e noventa por cento do público era masculino. A cidade estava completamente despreparada para receber um número tão grande de pessoas, principalmente considerando que nos anos anteriores, nem a metade desse público, estava presente.
A infraestrutura, como água e lúz, não era dimensionada para esse público e não havia acomodações para que todos se hospedassem confortavelmente.
A avalanche de gente significou um grande “boom” para os negócios, mas em pouco tempo, o que parecia algo positivo para a cidade se tornou um evento assustador e memorável. Os motociclistas começaram a causar um problema, andando pelas pequenas ruas da cidade após consumirem grandes quantidades de álcool.
Aconteceram várias brigas, bares foram danificados, havia correria nas ruas e outras ações típicas de bêbados. Além disso, houve um problema habitacional grave, os motociclistas tiveram que dormir nas calçadas, em parques, em palheiros e nos gramados das casas. Na noite de 4 de julho, as coisas estavam “fora do controle”, principalmente que a força policial de Hollister era composta por apenas 7 policiais.
A polícia tentou parar as atividades dos motociclistas, com ameaças e algumas prisões, mas tudo dentro de sua capacidade limitada de ação. Além disso, os bares tentaram em vão, fazer com que eles parassem de beber, recusando-se a vender cerveja e fechando suas portas duas horas mais cedo. Contudo, testemunhas ouvidas
posteriormente, disseram que "Era uma bagunça infernal, mas os motociclistas não estavam fazendo nada ruim, apenas andando de cima para baixo, gritando e bebendo, mas não causaram mal algum aos moradores da cidade”.

O tumulto continuou até 5 de julho, quando o evento foi encerrado e os motociclistas deixaram a cidade com milhares de garrafas de cerveja e outros detritos jogados pela rua, além de alguns pequenos damos a bares e ao patrimônio público. Cerca de 50 pessoas foram presas, a maioria com contravenções como uso de drogas, condução
imprudente, perturbação da paz.
Havia também, cerca de 60 feridos, dos quais 3 eram sérios, incluindo uma perna fraturada e um crânio quebrado, mas todos eram motociclistas de fora, nenhum morador de Hollister sofreu nenhum tipo de agressão por parte dos motociclistas. Um membro do Conselho Municipal afirmou: "Felizmente, não parece haver nenhum dano sério.
Estes visitantes causaram mais danos a si mesmos do que à cidade”. Em resumo, tudo deveria ter sido apenas tratado com um evento mal planejado pela AMA, que por sorte não causou nenhum grande problema, mas não era isso que aconteceria.
IMPRENSA DESTRUTIVA
O tumulto ganhou destaque nacional através da cobertura da imprensa, no entanto, os artigos que foram escritos sobre ele, vinham reforçados por muitos exageros e sensacionalismo, coisa que não era incomum na imprensa da época. Logo após a quarta semana de julho, dois artigos foram publicados no jornal “San Francisco Chronicle”, com os títulos "Destruição em Hollister" e "Tempos ruins em Hollister", ambos descreveram o evento como "pandemônio" e "terrorismo". Embora a cidade tivesse passado realmente por uma situação complicada, os jornais derão a impressão de que a cidade havia sida tomada por “bandidos” sobre motocicletas.

O artigo do “Chronicle” causou pânico aos cidadãos da Califórnia, reforçado ainda por outra grande notícia sobre uma greve de trabalhadores locais. Mas o pior ainda estava por vir, uma reportagem publicada pela revista “Life” em 21 de julho de 1947, trouxe ainda mais força ao sensacionalismo já instaurado sobre o evento. A “Life” era uma importante e reconhecida publicação americana e isso estendeu a revolta para todo o país. Tratava-se de um pequeno artigo de apenas 115 palavras e uma foto que tomava quase uma página inteira, com a manchete: "Motociclistas em férias, aterrorizam a cidade ".
A grande foto, tirada por Barney Peterson, do Chronicle, mostra um homem embriagado, sentado em cima de uma Harley Davidson, segurando uma garrafa de cerveja em cada mão e rodeado por muitas outras vazias, jogadas no chão. Algumas delas estavam, inclusive, quebradas. O homem foi mais tarde identificado como Eddie Davenport, um membro do Tulare Moto Club. Mas a confiabilidade da foto impressionante, foi tratada por muitas fontes como uma foto “encenada”, ainda mais porque não havia nenhuma outra foto do evento.
Gus Deserpa, de pé no fundo da fotografia, disse que tem certeza de que a fotografia foi encenada por Petersen, e deu o seguinte relato: "Vi dois caras espalhando essas garrafas pela rua. Em seguida, eles posicionaram uma motocicleta no meio da pilha e ficaram esperando. Depois de um tempo esse cara bêbado vem cambaleando para fora do bar, e eles o convenceram a senta na motocicleta, foi aí que começaram a fotografá-lo". Deserpa afirma que o ato foi deliberado e que o objetivo claro de Peterson, era buscar uma notícia sensacionalista.
Jerry Telfer, colega de Barney Peterson no Chronicle, disse que a “armação” era improvável, e afirmou: "Barney não era do tipo falsificaria uma imagem. Ele era um sujeito que tinha um senso muito forte de ética”
CONSEQUÊNCIAS
A notícia de motociclistas “arruaceiros” repercutiu em outras cidades que ainda estavam se recuperando dos estragos feitos pela Segunda Guerra Mundial e estavam com medo de uma iminente guerra fria, por isso, a nação começou a temer os “motociclistas violentos” e marginalizar os moto clubes.

A AMA divulgou um comunicado dizendo que eles não tinham envolvimento com o tumulto ocorrido em Hollister, e que "o problema teria sido causado por apenas 1% (um por cento) de participantes que denegriam a imagem dos motociclistas e que os outros 99% (noventa e noves por cento) eram bons, decentes e cumpridores da lei. Um representante da AMA disse em 2005, "Não somos capazes de atribuir a criação do termo "1%”, a um profissional da AMA, por isso é apócrifa a afirmação de que a AMA, é a criadora do termo que se refere aos motociclistas fora da lei”.
O tumulto em Hollister teve pouco efeito sobre a cidade. O medo de âmbito nacional de motociclistas não resultou em muitas mudanças em Hollister. Os motociclistas foram recebidos de volta e novos eventos continuaram a ser realizada nos anos após o tumulto. Em 1997, a cidade realizou um encontro para comemorar ou relembrar o evento.
CURIOSIDADE PÓS EVENTO
A revista Harper, publicou em janeiro de 1951 uma pequena versão escrita por Frank Rooney, sobre os eventos ocorridos em Hollister, entitulda"The Cyclists' Raid". Segundo relatos, essa história teria sido usada como enredo para o filme “O Selvagem (The Wild One), estrelado por Marlon Brando (Johnny), Lee Marvin (Chino) e Mary Murphy (Kathie), lançado em 1951. No filme, Brando pilotava uma Triumph Thunderbird 6T de 1950
No entanto, o filme tem pouca ou quase nenhuma semelhança com os eventos reais. Muitos consideram que ele só contribuiu para denegrir a imagem publica dos motociclistas e dos moto clubes, retratando os jovens como desajustados, arruaceiros e fora da lei.
OS MOTO CLUBES 1%
O conflito do Vietnam (1958-1975) pode ser visto como um dos fatos mais recentes que contribuíram para o aumento dos Outlaws Motorcycle Clubs. Se o retorno dos veteranos da 2ª guerra foi um fator que auxiliou na formação desses motos clubes, o conflito do Vietnam foi à pólvora que faltava para explodirem. Veteranos desse conflito eram humilhados pela população em geral, chagando a serem rotulados de “bebês assassinos”. Alguns eram recebidos com xingamentos e agressões nos aeroportos e, muitas vezes, foram recusados em bons empregos, isso após “terem cumprido com o seu dever” para com o país.
No meio dessa confusão surgem os motoclubes 1%. Eles emergem em uma escala nacional. Para concretizar este nascimento, os clubes dominantes da época foram além. Observando a declaração atribuída a AMA (de que os arruaceiros eram apenas 1%), buscaram para si a responsabilidade de fazer parte daquele 1% que foi apontado em Hollister. Assim, criaram a organização sem regras explícitas, não alinhada a AMA, ou seja, assumidamente Outlaw Motorcycle Club e passaram a se identificar por meio de um emblema em forma de diamante com a inscrição 1%. Concordaram também em estabelecer limites geográficos em que cada MC teria domínio.
Um ponto significativo na evolução dos motoclubes 1% se evidenciou no verão de 1964 na Califórnia. Nesta época, dois membros do Oakland Hells Angels Motorcycle Club foram presos e acusados de terem estuprado duas mulheres em Monterey, no entanto, pouco tempo depois foram liberados, devido a insuficiência de provas. Esse episódio foi à desculpa que faltava para que o governo do estado da Califórnia voltasse os olhos para os outlaws. Ainda em 1964, o senador Fred Farr exigiu uma investigação imediata sobre estas organizações, encargo que ficou sob a responsabilidade do general Thomas C. Lynch.
No ano seguinte, o General Lynch liberou ao público um relatório que esmiuçava as atividades dos outlaws, tais como os Hells Angels. O relatório pode ser considerado como a primeira tentativa de se classificar os clubes de motocicleta como um perigo para a comunidade e para o estado, entretanto, se resumiu em afirmar que essas organizações possivelmente cometiam crimes como sedução de jovens inocentes, estupro e pilhagem em pequenas cidades. O relatório foi largamente contestado, até mesmo dentro das organizações do estado.
A imprensa, no entanto, percebendo que a história dos outlaws vendia bem, passou a publicar sistematicamente o lado negativo dessa organização. Talvez Andrew Syder seja o que melhor esboçou o efeito do relatório de Lynch. Segundo ele, “o relatório moldou o conceito de motoclube na opinião do cidadão americano de forma negativa”. Essa afirmação pode ser compreendida quando se observa os noticiários da época e ainda os dos tempos atuais.
Os “moto clubes” ainda são a melhor forma de expressar o motociclismo estradeiro, mas é bom lembrar que todas as corridas que hoje vemos mundo afora, começaram com eventos promovidos pela AMA-USA. Tais eventos foram os precursores de tudo o que vem a ser o mercado de motos hoje. Os moto clubes podem até perder o seu pique de crescimento, mas nunca vão perder o glamour.
Não é demais lembrar que uma das mais geniais jogadas de marketing da história do motociclismo foi feita pela Honda quando ela entrava no mercado americano. Honda modificou a forma de se comercializar motocicletas nos EUA, acabando com o sistema de consignações e fazendo com que o americano com cara de “bom garoto” trocasse o carro por uma scooter japonesa. Com isso, a Honda obteve as primeiras colocações vendendo motos e carros na terra da Harley Davidson e de Henry Ford. O anúncio, oportuno para a época, falava que “você encontrava gente bonita numa Honda”.
OS MOTO CLUBES NO BRASIL
No Brasil a primeira associação fundada em 1927 foi o “Moto Clube do Brasil” sediado na Rua Ceará no estado do Rio de Janeiro, alguns anos depois, mais precisamente em 1932 surgiu o Moto clube de Campos. E talvez sejam estes os mais antigo MC que se tem notícia no mundo. O final da década de 60, fixou o motociclista como ícone de liberdade e resistência ao sistema, foi quando surgiram o Zapata MC (1963), em São Paulo e o Balaios MC (1969) no Rio de Janeiro.
A partir de então, diversos moto clubes foram criados, a maioria seguindo o princípio de hierarquia e irmandade, popularizando-se no início da década de 90. Hoje, segundo a “Revista Moto clubes”, exitem mais de 2700 grupos espalhados por quase todos os estados do Brasil. Entre eles estão os Abutres MC, Bodes do Asfalto MC, Pegasus MC, Buena Vista MC, Rebel Bikers e muitos outros.
Algo muito positivo para se falar a respeito desses grupos, é que todos estão envolvidos constantemente em ações solidárias de ajuda à sociedade.
MOTO CLUBES CITADOS

Abutres MC - http://www.abutres.com.br
Pegasus MC - http://www.pegasusmc.com.br/
Hells Angels MC - http://affa.hells-angels.com/
Outlaws MC - http://www.outlawsmc.com/
Motor Maids MC - http://www.motormaids.org/
Pissed Off Bastards MC - http://www.pobob.com/
Boozefighters - http://www.bfmcnatl.com/
Sons of Silence MC - http://www.sonsofsilence.com/
Bandidos MC - http://www.bandidosmc.com/
Pagans MC - http://pagansmc.net/
Zapatta MC - http://www.zapatamc.com.br/
Balaios MC - http://www.balaiosmc.com/
Bodes do Asfalto - http://www.bodesdoasfalto.org.br/
Comments